Acordámos cedo. Tomámos o pequeno-almoço. O sol morno
de inverno puxava-nos lá para fora. Vamos ao parque?, pediu o Manel. O
pai, que tinha coisas a fazer, deixou-nos lá. Havia pouca gente. Apenas um
pequeno grupo de pessoas, logo à entrada, e um antigo colega de liceu, com
a mulher e a filha pequena. À chegada, apareceu-nos um cão de fila, não sei se
vadio, se de algum vizinho. Fizemos-lhe festas e o Manel correu para o
escorrega. Instalei-me num banco, com o meu livro, preparada para uns
momentos de paz. Abri o livro e comecei a ler. Quase de imediato, percebi
que o cão andava à volta do Manel. E reparei que o Manel começava a não gostar.
E o cão atirava-se a ele, a brincar. Às tantas, atirou-o ao chão e mordeu-lhe uma perna. Acudi. Peguei
no meu filho ao colo e levei-o para o banco. As pessoas que estavam no parque,
ao aperceberem-se da cena, chamaram o cão. Mas ele voltava, sempre à procura de
um Manel cada vez mais assustado. As pessoas insistiram e lá o conseguiram
atrair para perto da estrada. E nós, de mansinho, demos a volta ao parque, a
fugir dali. Aliviados, caminhámos, com a maior naturalidade possível, tentando evitar olhar para trás. Já longe, olhámos para o parque e lá vinha ele, a correr, na nossa
direção. As pessoas chamavam-no, em vão. Continuámos a andar, devagar, mas o
cão cada vez corria cada vez mais. A distância que nos separava era cada vez
menor. O Manel chorava, em pânico. Nesse momento, passaram-me pela cabeça
manchetes de jornais e rodapés de noticiários. Então, medi a distância que
faltava para chegarmos à loja da cooperativa Bioazórica, onde estivéramos
minutos antes a comprar fruta, e tomei uma decisão: peguei no Manel ao
colo e comecei também eu a correr. E corri, o mais que pude. E, naquele
momento, o Paul da Praia da Vitória transformou-se em selva e eu, na presa que
corre com o filhote na boca, a fugir do predador. Continuei a correr. Atirei o
Manel por cima do muro e ordenei-lhe que corresse e se refugiasse no interior da loja.
Ele obedeceu-me. E eu, já sozinha, acalmei-me e acalmei o cão, que, bem vistas
as coisas, não era um cão mau. Era apenas um animal a ser animal, sem ter a
noção do seu tamanho e da sua força. Lá dentro, acalmavam o Manel, que só
perguntava se o cão já se tinha ido embora. Dali a pouco, um agente da polícia
perguntava por uma senhora com um menino que estava a fugir de um cão. Alguém viu a cena e tê-lo-á chamado. Possivelmente, as pessoas que nos ajudaram minutos antes.
E eu senti-me grata. Grata pelas pessoas do parque, que se preocuparam e
fizeram tudo o que puderam para nos ajudar. Grata pelas pessoas da Bioazórica,
que nos acolheram e acalmaram o Manel. E, acima de tudo, grata por este episódio
não ter passado disto: de uma história para contar.
Temos instintos de animal, com os filhos. Aquela sensação de que podem rasgar-nos a pele e tudo o mais, mas que o inconcebível é que isso possa ser feito aos nossos filhos. Mas sim, sorte que seja só uma história para contar, que nada tenha passado desse susto e dessa sensação momentânea de pânico.
ResponderEliminarUm beijo de boa semana. Carinhos para o teu filho.
Mar
A primeira vez que percebi isto foi num dia em que vi uma barata pousar na mão do Manel (ele devia ter uns dois anos) e eu agarrei nela com a mão. Não sei como fiz aquilo, pois tenho horror a baratas. Realmente, quando se trata de os proteger, somos capazes de tudo.
EliminarUm beijo de boa semana para ti também.
Ilídia
Olá Ilídia,
ResponderEliminarTu tens um Hitchcock dentro de ti. Fiquei em pânico a ler o relato. Felizmente as consequências não foram dramáticas, mas lembram que temos de estar sempre alerta.
Um abraço de boa semana.
Guida
O Hitchcock é mais pássaros do que cães ;) De facto, foi um episódio um bocadinho "dark" e só me faltou ser uma loira platinada a gritar estridentemente para encarnar uma heroína do Hitchcock :)
EliminarSempre alerta, mesmo. E sabes, naquele dia eu queria ter ido passear com o Manel para a praia, onde não há ninguém nesta época. Imagina que me aparecia um cão lá e nós sozinhos. Pensar nessa possibilidade assustou-me ainda mais.
Um abraço e uma boa semana para ti também.
Ilídia