domingo, 11 de janeiro de 2015

O cão

Acordámos cedo. Tomámos o pequeno-almoço. O sol morno de inverno puxava-nos lá para fora. Vamos ao parque?, pediu o Manel. O pai, que tinha coisas a fazer, deixou-nos lá. Havia pouca gente. Apenas um pequeno grupo de pessoas, logo à entrada, e um antigo colega de liceu, com a mulher e a filha pequena. À chegada, apareceu-nos um cão de fila, não sei se vadio, se de algum vizinho. Fizemos-lhe festas e o Manel correu para o escorrega. Instalei-me num banco, com o meu livro, preparada para uns momentos de paz. Abri o livro e comecei a ler. Quase de imediato, percebi que o cão andava à volta do Manel. E reparei que o Manel começava a não gostar. E o cão atirava-se a ele, a brincar. Às tantas, atirou-o ao chão e mordeu-lhe uma perna. Acudi. Peguei no meu filho ao colo e levei-o para o banco. As pessoas que estavam no parque, ao aperceberem-se da cena, chamaram o cão. Mas ele voltava, sempre à procura de um Manel cada vez mais assustado. As pessoas insistiram e lá o conseguiram atrair para perto da estrada. E nós, de mansinho, demos a volta ao parque, a fugir dali. Aliviados, caminhámos, com a maior naturalidade possível, tentando evitar olhar para trás. Já longe, olhámos para o parque e lá vinha ele, a correr, na nossa direção. As pessoas chamavam-no, em vão. Continuámos a andar, devagar, mas o cão cada vez corria cada vez mais. A distância que nos separava era cada vez menor. O Manel chorava, em pânico. Nesse momento, passaram-me pela cabeça manchetes de jornais e rodapés de noticiários. Então, medi a distância que faltava para chegarmos à loja da cooperativa Bioazórica, onde estivéramos minutos antes a comprar fruta, e tomei uma decisão: peguei no Manel ao colo e comecei também eu a correr. E corri, o mais que pude. E, naquele momento, o Paul da Praia da Vitória transformou-se em selva e eu, na presa que corre com o filhote na boca, a fugir do predador. Continuei a correr. Atirei o Manel por cima do muro e ordenei-lhe que corresse e se refugiasse no interior da loja. Ele obedeceu-me. E eu, já sozinha, acalmei-me e acalmei o cão, que, bem vistas as coisas, não era um cão mau. Era apenas um animal a ser animal, sem ter a noção do seu tamanho e da sua força. Lá dentro, acalmavam o Manel, que só perguntava se o cão já se tinha ido embora. Dali a pouco, um agente da polícia perguntava por uma senhora com um menino que estava a fugir de um cão. Alguém viu a cena e tê-lo-á chamado. Possivelmente, as pessoas que nos ajudaram minutos antes. E eu senti-me grata. Grata pelas pessoas do parque, que se preocuparam e fizeram tudo o que puderam para nos ajudar. Grata pelas pessoas da Bioazórica, que nos acolheram e acalmaram o Manel. E, acima de tudo, grata por este episódio não ter passado disto: de uma história para contar.

4 comentários:

  1. Temos instintos de animal, com os filhos. Aquela sensação de que podem rasgar-nos a pele e tudo o mais, mas que o inconcebível é que isso possa ser feito aos nossos filhos. Mas sim, sorte que seja só uma história para contar, que nada tenha passado desse susto e dessa sensação momentânea de pânico.

    Um beijo de boa semana. Carinhos para o teu filho.

    Mar

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    Respostas
    1. A primeira vez que percebi isto foi num dia em que vi uma barata pousar na mão do Manel (ele devia ter uns dois anos) e eu agarrei nela com a mão. Não sei como fiz aquilo, pois tenho horror a baratas. Realmente, quando se trata de os proteger, somos capazes de tudo.

      Um beijo de boa semana para ti também.

      Ilídia

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  2. Olá Ilídia,
    Tu tens um Hitchcock dentro de ti. Fiquei em pânico a ler o relato. Felizmente as consequências não foram dramáticas, mas lembram que temos de estar sempre alerta.
    Um abraço de boa semana.
    Guida

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    Respostas
    1. O Hitchcock é mais pássaros do que cães ;) De facto, foi um episódio um bocadinho "dark" e só me faltou ser uma loira platinada a gritar estridentemente para encarnar uma heroína do Hitchcock :)
      Sempre alerta, mesmo. E sabes, naquele dia eu queria ter ido passear com o Manel para a praia, onde não há ninguém nesta época. Imagina que me aparecia um cão lá e nós sozinhos. Pensar nessa possibilidade assustou-me ainda mais.

      Um abraço e uma boa semana para ti também.

      Ilídia

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